De uma série de filhos do casal Fernando da Costa Tourinho e Luiza Freire Tourinho, fui o sexto e último. Aroldo foi o segundo. Nasci em 1926, em Viçosa, e ele em 1912, em Salvador. Enquanto ele estudava em Salvador, morando com meus avós paternos, eu, criança, ficava ao lado de meus pais, indo de um lugar para outro, cumprindo ordens do Governador, responsável pela remoção dos Juízes. Àquela época não se falava em inamovibilidade dos Juízes.
Vim conhecer Aroldo em Nilo Peçanha, onde Papai era Juiz e ele estava passando as férias e prestes a se formar. Depois eu o ví por alguns dias, quando Papai estava em Salvador, na casa dos pais de Lourdes, sua prima e namorada, na rua Castro Neves, 74, aguardando ordens para ir para Itambé. Em 1937 ele apareceu por lá, já casado com minha prima Lourdes. Papai o aconselhou a ir clinicar em Encruzilhada, pois correra a notícia de que lá não havia médico. E ali ele permaneceu por vários anos. A distância entre Itambé e Encruzilhada era de 12 léguas (como se costumava falar). Lá estive em 1939, indo em lombo de burro, acompanhado por um dos empregados do Cel. Ozório Gusmão. A viagem era feita em duas etapas. Na primeira pernoitávamos na fazenda do "Seu" Ato (Veriato Ferraz). No dia seguinte rumávamos para Encruzilhada. Depois que fomos para Salvador, em razão da aposentadoria de Papai, que sofrera um AVC num júri, voltei a Encruzilhada em 1944, após a morte de Papai, ocorrida em 43. E observei que tanto ele como Armando, nosso irmão mais velho, ele médico, e Armando advogado, eram pessoas queridas na cidade. Era Aroldo profundamente dedicado e, não sei porque, tinha uma certa predileção pelos partos que fazia em mulheres de baixa renda. Tinha pena do tratamento diferenciado que o hospital fazia. Parece até anedota, mas, me recordo de uma Senhora "metida a besta" que o consultara. Era pernóstica e apresentava ares de que sabia de tudo.E Aroldo, na sua humildade e simplicidade, não suportava a altivez da "caipirona metida". Certa feita Aroldo, ainda agarrado ao Testut, livro de anatomia que o acompanhava, receitou uma injeção para aquela Senhora e lhe disse: É para tomar no "fesse", usando, pernosticamente, o velho francês. E ela: Onde, Doutor? Na região glútea, respondeu ele. Onde mesmo, doutor? Nas nádegas. E como ela ainda não houvesse entendido, ele soltou um sonoro "na bunda".
Vim conhecer Aroldo em Nilo Peçanha, onde Papai era Juiz e ele estava passando as férias e prestes a se formar. Depois eu o ví por alguns dias, quando Papai estava em Salvador, na casa dos pais de Lourdes, sua prima e namorada, na rua Castro Neves, 74, aguardando ordens para ir para Itambé. Em 1937 ele apareceu por lá, já casado com minha prima Lourdes. Papai o aconselhou a ir clinicar em Encruzilhada, pois correra a notícia de que lá não havia médico. E ali ele permaneceu por vários anos. A distância entre Itambé e Encruzilhada era de 12 léguas (como se costumava falar). Lá estive em 1939, indo em lombo de burro, acompanhado por um dos empregados do Cel. Ozório Gusmão. A viagem era feita em duas etapas. Na primeira pernoitávamos na fazenda do "Seu" Ato (Veriato Ferraz). No dia seguinte rumávamos para Encruzilhada. Depois que fomos para Salvador, em razão da aposentadoria de Papai, que sofrera um AVC num júri, voltei a Encruzilhada em 1944, após a morte de Papai, ocorrida em 43. E observei que tanto ele como Armando, nosso irmão mais velho, ele médico, e Armando advogado, eram pessoas queridas na cidade. Era Aroldo profundamente dedicado e, não sei porque, tinha uma certa predileção pelos partos que fazia em mulheres de baixa renda. Tinha pena do tratamento diferenciado que o hospital fazia. Parece até anedota, mas, me recordo de uma Senhora "metida a besta" que o consultara. Era pernóstica e apresentava ares de que sabia de tudo.E Aroldo, na sua humildade e simplicidade, não suportava a altivez da "caipirona metida". Certa feita Aroldo, ainda agarrado ao Testut, livro de anatomia que o acompanhava, receitou uma injeção para aquela Senhora e lhe disse: É para tomar no "fesse", usando, pernosticamente, o velho francês. E ela: Onde, Doutor? Na região glútea, respondeu ele. Onde mesmo, doutor? Nas nádegas. E como ela ainda não houvesse entendido, ele soltou um sonoro "na bunda".
De Encruzilhada Aroldo, Lourdes, Raymundinho e Layce (seus primeiros filhos) foram para Montes Claros, a pedido do meu tio Mário. Todo ano, no aniversário de Mamãe, 12 de Janeiro, ele aparecia em casa, levando Lourdes e os meninos. E a família já havia crescido: havia o Haroldinho e o Roberto. Era uma festa. Todos os irmãos (seis) sentados à mesa para o "cozido", prato típico da Bahia, que minha Mãe preparava como ninguém. Quando me formei em Direito, em 1952, fui a Montes Claros. Ficava o tempo todo com os meninos de tio Mário (Genival e Mário) e os de Aroldo, principalmente os mais velhos (Raymundinho e Layce). Certa feita, Aroldo havia saído para fazer um parto numa fazenda e Raymundinho me obrigou a usar o avental do pai e com o estetoscópio passei a imitar o mano, examinando Roberto e o proprio Raymundo. Era só brincadeira.
Já em São Paulo, onde ingressei no Ministério Público, todo ano nós nos reuníamos na casa de Mamãe em Salvador para festejar seu aniversário. Era só festa. Haroldinho era o "dodói" das meninas. E eles iam de carro de Montes Claros a Salvador. O motorista, me lembro até hoje, era o Gabi. Bebia pra burro. Eu, minha esposa e minhas duas filhas, de São Paulo íamos para lá também, enfrentando a Rio-Bahia sem asfalto. Era uma tristeza. Quando chovia, só mesmo a vontade de ver a Mãe e os irmãos justificava o sacrifício. Doce sacrifício.
Mais tarde, soube que Aroldo fora operado em Montes Claros, mas, em virtude de uma diabetes que o perseguia, houve problemas e o colega que o operou o encaminhou a Belo Horizonte. Eu e Dita fomos visitá-lo. Estava na UTI de um hospital, salvo engano, nominado "São Marcos". Quando ele me viu (a UTI era cercada de vidro, como se fosse uma grande redoma), riu e fez um bilhete para Lourdes: "Você viu? Pitango ( meu apelido de infância) esteve aqui". No dia seguinte voltei ao hospital e quando ele me viu pela segunda vez, arqueou os sobrolhos, como quem estivesse pensando;"Se ele está indo para Salvador, por que ficou aqui? Devo estar mal". Dali saí e voltei a Jaú, Estado de São Paulo, onde exercia o cargo de Promotor. Mal cheguei - e isso por volta das 4:30 da manhã, o telefone tilintou e reconhecí a voz de Genival, dizendo: É triste, mas Aroldo se foi e o enterro será hoje, em Montes Claros. Não havia condições de ir. Lembrei-me que um vizinho ia todos os dias a São Paulo num bimotor de sua propriedade. Quando falei com ele, logo cedo, de imediato pôs à minha disposição a aeronave, pelo tempo que quizesse, conquanto o deixasse em São Paulo. Fui com a minha filha Sylvinha. No velório - como nos velórios de antigamente - um profundo silêncio. Ninguém falava.Como que ninguém acreditasse no que estava vendo. Eu fiquei de pé junto ao caixão por um bom tempo. Na saída fiquei por demais emocionado. Estavam dezenas e dezenas de mulheres de baixa renda, as mesmas que ele adorava atender, carregando flores nas mãos, dando-lhe o último adeus. Era a cidade comocionada. Parecia até que era um feriado. E ele gostava de atender aquelas mulheres. Certa feita me disse Lourdes: Aroldo sofre quando vê um tratamento diferenciado no hospital, as mulheres de posse com um tratamento bem diverso. Ele, entretanto, como médico e não como dono do hospital, dava-lhes o mesmo carinho que emprestava às demais.
E ele amava profundamente a profissão. Era um "senhor" obstetra, um "senhor" ginecologista. Sempre me orgulhei dele, como de todos os demais irmãos e agora, na comemoração do seu centenário, só posso dizer: Você, mano velho, não morreu, está bem vivo nos corações dos que ficaram.
Um belo e comovente relato.
ResponderExcluirViçosa... E eu que sempre pensei que o professor fosse baiano!
Sou aluno do Dr. Tourinho e perguntei a ele onde nasceu e me respondeu que ele é BAIANO e que seu irmão nasceu em Minas.
ResponderExcluirTenho aula com ele amanhã, novamente, e pedirei que faça uma declaração ou divulgue algum documento sobre seu local de nascimento.