sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

CENTENÁRIO DE DR. AROLDO TOURINHO - João C Sobreira

João Carlos Sobreira

Sou amigo da Família Tourinho desde menino. Quando Dr. Mário Tourinho chegou em Montes Claros, na década de 1940, com esposa e filhos, ficou hospedado no Hotel São Luiz até encontrar uma casa boa, confortável e bem localizada para morar e montar seu consultório médico. Seus filhos Genival, da mesma idade de meu irmão Newton, e Mário Filho, identicamente da mesma idade minha, se tornaram, naturalmente, nossos amigos. Essa aproximação deu início a uma amizade sincera a ponto de nos considerarmos irmãos. Fatos posteriores mostram como foi consolidada  essa irmandade. Alguns anos mais tarde chega à nossa cidade Dr. Aroldo com D. Lourdes e filhos, ampliando o clã dos Tourinho no sertão mineiro.
   Quando fui estudar em Belo Horizonte, em 1954, fiquei hospedado na pensão de Tia Quininha (muitos em Montes Claros a chamavam de D. Vêla).  Como companheiros de quarto, convivi por vários anos com Genival e Raymundo Tourinho. Este ainda adolescente e ainda imberbe. Genival já era universitário e irrequieto estudante de Direito, bem falante, com toda a eloquente verve conhecida até os tempos atuais. Ele era estudioso, culto e muito entusiasmado com a política. Tinha o hábito de ficar estudando até altas horas da noite, fato que nos obrigou a aprender a dormir com a luz acesa. 
   Formado em 1964, estabeleci-me com a CONAL, em 2 salas no segundo andar da casa de minha mãe, tendo como vizinho na contra-esquina a CONTRUMOC. Era uma grande loja de materiais de construção, pertencente a Pedro Narciso, Raymundo Tourinho e José Corrêa Machado. Costumávamos reunir na loja, não todos os dias, mas sempre à tardinha, para um bate-papo: além de Pedro e Raymundo, nós da CONAL (Mércio, Eldan e eu), Machadinho, às vezes Dr. Aroldo  e Genival – quando estava na cidade.
   No final de 1965, numa dessas reuniões, Genival lançou a idéia de fundar em Montes Claros o MDB, mobilizando apenas iniciantes em política, já que os políticos antigos, tarimbados e calejados, haviam preferido ficar “sob as asas quentes do governo”, filiando-se à ARENA, que  se tornara partido oficial dos milicos. Dentre os dez primeiros que criaram o MDB-MOC, encontrava-se Dr. Aroldo Tourinho. A partir da fundação confirmada, as reuniões de bate-papo passaram a ser recheadas com os novos companheiros do MDB. Afonso Prates, Zé da Conceição, Zé Maria “Peito de Aço”, por exemplo, passaram a ser presenças constantes e agora a política era também assunto do bate-papo. Logo nas primeiras reuniões regulares do MDB, resolvemos lançar candidatos apenas ao cargo de vereador, já que o candidato a prefeito do outro partido era Toninho Rebello, homem inteligente, trabalhador, de reputação ilibada, que deveria ter o apoio de toda cidade, na qualidade de candidato único, o que realmente aconteceu.
   O MDB teve um desempenho brilhante nessa eleição: apesar de ter direito a 25, conseguiu registrar apenas 8 candidatos. Mas o partido elegeu 4 vereadores, ou seja, 50% dos pretendentes! Performance digna de constar no Guiness, o livro dos recordes. Tudo isso graças, principalmente, ao desempenho de Dr. Aroldo, com um surpreendente número de votos, o terceiro maior até então obtido por um vereador desde a primeira eleição na cidade, para edis. Esse motivo elevou, em muito, o quociente eleitoral do MDB, possibilitando a entrada de mais eleitos do que os esperados pelos dirigentes do partido oposto. Conforme esperávamos, Dr. Aroldo brilhou intensamente no desempenho da vereança. 
   Na eleição seguinte, em 1970, o partido resolveu que teríamos a chapa completa, procurando conseguir um nome para prefeito e preencher todas as vagas de candidatos a vereador. Teríamos que trabalhar exaustivamente  no sentido de arregimentar novos membros para o objetivo pretendido sem, entretanto, perder a qualidade e o compromisso ético dos primeiros “desbravadores” inscritos, até o prazo antes da convenção para a escolha dos candidatos. A data foi definida para o dia 19 de setembro.
 ` Não pude comparecer à convenção porque estava dando assistência à Baby na Santa Casa, pela chegada de Isabela, nossa primeira filha. Ao entardecer recebemos a visita dos amigos Genival, Pedro Narciso, Afonso Prates, Dr. Aroldo e Raymundo Tourinho, trazendo um bouquet de rosas para, segundo as palavras de Genival, as mulheres da família, em nome do MDB. Vieram também informar o resultado da convenção: fui escolhido como candidato a prefeito, tendo como vice Dr. Aroldo. 
   A campanha foi tensa e difícil e ao mesmo tempo divertida. Explico: primeiro, porque o governo militar e a ARENA, sua aliada, estavam sempre dispostos a nos perseguir, fazendo nossos comícios terem mais investigadores e policiais do que platéia. A maioria dos nossos simpatizantes ficava amedrontada com o aparato armado de máquinas fotográficas, gravadores e armas de fogo acintosamente à mostra. Divertida porque nas constantes reuniões que promovíamos antes dos comícios, Dr. Aroldo sempre quebrava o gelo do ambiente (de certa forma, o pessoal um pouco amedrontado com as veladas ameaças), com tiradas bem humoradas e gozações aos companheiros, que sempre nos faziam rir. Ele mostrava seu lado humano que poucos conheciam.
   Na época do nascimento de Rafael, Dra. Maria de Jesus, que acompanhara o pré-natal estava viajando. Era domingo e eu levei Baby à Santa Casa para Irmã Malvina verificar um incômodo que ela estava sentindo. Depois do exame a freira veio apressada me comunicar: - “O senhorr pode buscarr o maleta, eu vou telefonarr parra doctorr Arroldo, o criança estar nascendo.” Quando cheguei com a maleta e minha sogra, subimos a rampa logo atrás de Dr. Aroldo. O painel luminoso já anunciava: MENINO.
   Antes de voltar para casa, Dr. Aroldo passou pelo apartamento onde Baby estava e foi logo dizendo: “ Cheguei só para fazer os finalmentes do parto. Ô Joãozinho, tenha cuidado com o próximo parto de sua mulher. A criança pode nascer na rua. Ela é muito boa parideira!”
  Dr. Aroldo sempre foi “boa praça”, amigo e companheiro, sempre alegre e muito cortês, por isso mesmo é meu personagem inesquecível.  
jcarlossobreira@gmail.com

100 ANOS DO DR. AROLDO, MEU MESTRE QUERIDO - Ruy Barbosa Romano

Ruy Barbosa Romano

Escrever sobre ele me faz voltar a MocCity, à Famed, à Santa Casa, ao tempo bom de estudante, aos meus primeiros plantões... Quando sufoco, quantas decisões, quanta alegria, quanta saudade!
   Fazer ginecologia/obstetrícia foi-me uma escolha muito pensada e o dr. Aroldo teve uma enorme influência. Ficava encantado ao vê-lo chegar à Santa Casa, tão pequenininho no tamanho, mas tão grande em sabedoria, gentileza e paciência. Com seu jeitinho manso, humilde, calado, sorrindo com jeito de menino levado, tinha sempre uma palavra carinhosa e amiga para todos os amigos e pacientes, independente de classe ou de cor.
   Fui visitá-lo pouco antes de nos deixar, no hospital São Lucas, em Belo Horizonte. A tristeza foi enorme. Tanta fragilidade em tamanha vontade de viver. Não conseguia falar, mas escreveu num pedaço de papel que guardo até hoje "Que dia eu saio? Me tira daqui!"
   Com certeza está lá em cima, tomando conta de nós, junto com a Irmã Malvina.
   Deixou saudades como exemplo de médico, colega e amigo.