"Senti e experimentei não ser de admirar que o pão, tão
saboroso ao paladar saudável, seja enjoativo ao paladar
enfermo; e que a luz, amável aos olhos límpidos, seja odiosa
aos olhos dos doentes."
Santo Agostinho, em Confissões, Liv. IV, Cap. 16
FORMAÇÃO
Fernando da Costa Tourinho e Luiza Francisca Freire Tourinho (Lulu) geraram seis filhos: Armando, Aroldo, Ayrton, Luizernando, Herdival e Fernando, pela ordem. AROLDO DA COSTA TOURINHO nasceu em Salvador, Bahia, aos 20 de fevereiro de 1912. Dos dois aos onze anos viveu em Xique-Xique e Viçosa (hoje Nova Viçosa), duas das cidades do interior do estado onde seu pai exerceu a magistratura.
A exemplo do primogênito, Armando, findo o primário encaminharam-no os pais à capital, onde continuaria os estudos. Aroldo logrou ser admitido no Ginásio da Bahia (atualmente Colégio Central), educandário público de grande prestígio à época. Foi morar com os avós paternos, Getulino e Virgínia, pais de catorze filhos. A numerosa família o acolheu carinhosamente e mitigou suas saudades de casa. Primos e primas, dentre estas sua futura esposa, não lhe faltaram como companheiros nos folguedos da idade.
Era Aroldo menino esperto, logo aprendeu a se deslocar em bondes pela cidade grande (Salvador contava então com cerca de 300.000 habitantes - IBGE), porém, algo distraído. Mal chegara à capital quis conhecer o afamado magazine/alfaiataria do avô, localizado no Comércio, Cidade Baixa. Já ouvira falar da elegância britânica do tio Orlando, auxiliar do pai na administração do estabelecimento. Assim, ao adentrá-lo, deparou-se o rapazola interiorano com um manequim formidável, elegantérrimo, e não teve dúvida, estendeu-lhe a mão e pediu: a benção, meu tio Orlando...
Concluído o ginásio (cinco anos), no qual teve como colega de turma o destemido e futuro militante de esquerda Carlos Marighella*, preparou-se Aroldo para o vestibular da Faculdade de Medicina, que exigia, à época, a aprovação em quatro disciplinas: biologia, física, química orgânica e química inorgânica. Havia provas orais e escritas. Para estas, sorteava-se um ponto e o candidato sobre ele discorria. As orais eram temidas, devido o rigor das bancas examinadoras. Aroldo passou raspando em física, foi razoavelmente bem nas químicas e brilhou em biologia, oral e escrita. Sabia tudo.
O jovem Aroldo nutria uma paixão nada secreta, ao contrário, correspondida, pela prima Lourdes, filha dos tios Edith e Rubens, irmão de seu pai. Aos 17 anos, ela 14, oficializaram o chamego. Com absoluta certeza foi a tia e futura sogra, Edith, professora de piano e francês, além de exercer encargos de parteira, quem nele despertou a vocação para a medicina. Dos seus cinco irmãos, três se formariam em direito, seguindo o pai. Ficava Aroldo ali, na casa da tia, a folhear compêndios de obstetrícia e a admirá-la ao vê-la sair em socorro de alguma parturiente, vestida de branco, empunhando sua maleta.
Na faculdade, vencido o vestibular, a partir do segundo ano passou Aroldo à condição de interno, quando começou a assistir a partos e, logo depois, a fazê-los - indigentes não faltavam... Livros, a maioria em francês, custavam caro, a mesada era curta e, mesmo com a baixa remuneração de juiz de direito à época, o pai Fernando mantinha quatro filhos estudando na capital, pois a essa altura Ayrton e Luizernando lá se encontravam. Para driblar a situação a namorada Lourdes, dispondo de maior tempo livre, copiava-lhe os pontos em primorosos cadernos na biblioteca da faculdade. Também levava-lhe lanches, pois, como sói acontecer, a comida do hospital era intragável, um badofe, no dizer dos estudantes.
Em 1932 eclode a Revolução Constitucionalista em São Paulo. A favor do movimento uniram-se a faculdade de direito e a de medicina, quando, então, Armando e Aroldo foram presos durante uma passeata e passaram algumas horas em roupas de baixo numa das celas da repressão chancelada por Juracy Magalhães, então governador da Bahia. A esse tempo os avós Getulino e Virgínia já haviam se retirado para sua propriedade rural em Feira de Santana, BA, a 100 km da capital, derradeiro bem imóvel que lhes restara após a crise financeira familiar que vinha se arrastando desde a Primeira Guerra Mundial. Getulino não abrira falência, por ele considerada uma desonra... Vendeu, um a um, todos os seus bens em Salvador: sobrado de três andares nos Barris, chácara no Rio Vermelho, casas, terrenos, a loja e a alfaiataria (fora fornecedor exclusivo do fardamento das Forças Públicas dos estados da Bahia, Pernambuco e Sergipe, bem como das vestes do clero baiano) para honrar compromissos.Contribuiu também,significativamente, para sua bancarrota, a perseguição que lhe movia o então todo poderoso governador (três mandatos) José Joaquim Seabra. Homem de oposição, fiel a seus princípios morais, Getulino não lhe dava trégua.
Aroldo da Costa Tourinho colou grau pela Faculdade de Medicina da Bahia em 16 de dezembro de 1937. Em seguida, no dia 23, casou-se com a amada prima Lourdes - professora diplomada pela Escola Normal da Bahia - na Catedral Metropolitana de Salvador, onde, anos mais tarde, viriam a comemorar suas Bodas de Prata. O jovem casal foi para Itambé, BA, onde o pai dele, Fernando, exercia a judicatura. Lá, foram informados de que em Encruzilhada, cidade próxima, não havia médico. Estabeleceram-se então nesta cidade, em ampla casa com duas salas de frente para a rua. O irmão Armando, formado em direito, os acompanhara e lá passou a exercer a advocacia até sua aprovação em concurso público para a Promotoria do Estado.
Numa das salas da casa recém-alugada Aroldo montou seu consultório e, na outra, algum tempo depois Lourdes abriu sua sala de aula, onde viria desasnar boa parte da meninada da cidade. Detalhe: a escola era gratuita. Ela precisava fazer alguma coisa - dizia - para vencer as modorrentas tardes do sertão. Então, as aulas e os romances, além dos livros de medicina do marido, lidos às pilhas, abrandavam-lhe os dias.
Numa das salas da casa recém-alugada Aroldo montou seu consultório e, na outra, algum tempo depois Lourdes abriu sua sala de aula, onde viria desasnar boa parte da meninada da cidade. Detalhe: a escola era gratuita. Ela precisava fazer alguma coisa - dizia - para vencer as modorrentas tardes do sertão. Então, as aulas e os romances, além dos livros de medicina do marido, lidos às pilhas, abrandavam-lhe os dias.
* Carlos Marighella nasceu em Salvador, Bahia, em 5 de dezembro de 1911. Em 1929 começa a cursar engenharia civil na antiga Escola Politécnica da Bahia, depois de haver estudado no Ginásio da Bahia, hoje Colégio Central. Numa e noutra escola destaca-se, como aluno, pela alegria e criatividade. São famosas suas diversas provas em versos. No dia 4 de novembro de 1969 Carlos Marighella caiu numa emboscada armada pelo DOI-Codi, tendo a frente o delegado Sérgio Paranhos Fleury.
Fonte: www.carlos.marighella.nom.br/vida.
Aos meus extremosos Pais.
A vós, somente a vós, eu devo esta glória. Aroldo, 16.12.1937
CARREIRA MÉDICA E CONSTITUIÇÃO FAMILIAR
Em 10 de novembro de 1938 veio à luz o primeiro filho do casal, Raymundo. Nasceu com dificuldade para respirar. O pai e parteiro, vendo que o bebê arroxeava, não titubeou: sugou-lhe os mucos nasal e bucal. Chupava-os e cuspia. Muitos anos depois, na Santa Casa de Misericórdia de Montes Claros, teve a oportunidade de reprisar o procedimento. Acabara de entrar na sala de partos quando viu e apanhou um bebê depositado num balde. "Irmã Malvina, este menino está vivo!" A pobre da irmã, também parteira, dera a criança como morta. Lá se foi dr. Aroldo e repetiu o que fizera com o seu primogênito. O menino do balde ganhou o sugestivo nome de Balduíno... Em 21 de junho de 1940 nasceu Layce e o planejado pelo casal fora que a descendência parasse por ali.
Aroldo e Lourdes permaneceram por seis anos em Encruzilhada, exceto por um período de um ano em que estiveram em Salvador (1943-44), convocado que fora ele a prestar serviços médicos ao exército durante a Segunda Grande Guerra. Deu baixa como tenente. Ainda em 1944, após convite de seu tio Mário, também médico, Aroldo vendeu o gado que lhe fora presenteado por clientes (47 cabeças), juntou pertences e economias e mudou-se com a família para Montes Claros, MG. Dona Fininha Ribeiro, de há muito viúva, mãe de Darcy e Mário, foi a primeira pessoa com quem a família relacionou-se na cidade, vizinha que era dos tios Mário e Anésia. Não havia casa para alugar ou vender em Montes Claros. Após alguns dias hospedados com os tios, Aroldo, Lourdes e as duas crianças foram para o hotel São José, ali perto. O tio Mário residia em casa com enorme quintal na rua Dr. Santos, esquina com D. João Pimenta. Mestra Fininha lecionava no Grupo Escolar Gonçalves Chaves e morava em frente, na esquina oposta, hoje um estacionamento.
Aroldo e Lourdes permaneceram por seis anos em Encruzilhada, exceto por um período de um ano em que estiveram em Salvador (1943-44), convocado que fora ele a prestar serviços médicos ao exército durante a Segunda Grande Guerra. Deu baixa como tenente. Ainda em 1944, após convite de seu tio Mário, também médico, Aroldo vendeu o gado que lhe fora presenteado por clientes (47 cabeças), juntou pertences e economias e mudou-se com a família para Montes Claros, MG. Dona Fininha Ribeiro, de há muito viúva, mãe de Darcy e Mário, foi a primeira pessoa com quem a família relacionou-se na cidade, vizinha que era dos tios Mário e Anésia. Não havia casa para alugar ou vender em Montes Claros. Após alguns dias hospedados com os tios, Aroldo, Lourdes e as duas crianças foram para o hotel São José, ali perto. O tio Mário residia em casa com enorme quintal na rua Dr. Santos, esquina com D. João Pimenta. Mestra Fininha lecionava no Grupo Escolar Gonçalves Chaves e morava em frente, na esquina oposta, hoje um estacionamento.
Seis meses de hotel cansam. E era preciso ganhar dinheiro. No distrito de Patis não havia médico e para lá Aroldo conduziu a família. Após seis meses mudou-se para Bela Vista (hoje Mirabela). Devido à localização, esse distrito trazia-lhe ao consultório clientes de Brasília (hoje Brasília de Minas), São Francisco e outras localidades próximas. Também ali Aroldo permaneceu por seis meses, quando lhe chegou notícia de que estava disponível uma casa em Montes Claros. Assim, ao se estabelecer nesta cidade sua clientela estava praticamente formada. Era gente de Patis, Bela Vista, Brasília, São Francisco, Januária... a buscar seus serviços médicos. Ele abriu consultório, onde também passou a residir, em casa situada à rua Presidente Vargas, ao lado do antigo Clube Montes Claros (depois Conservatório). O imóvel pertencia ao Sr. Edmundo Dias (Mundinho), que habitava com a família a casa vizinha. Dali, alguns anos depois, Aroldo foi para a sua próxima mas não última residência, casa hoje demolida localizada na rua Dr. Santos.
Não foi nada fácil o dr. Aroldo entrar para o corpo clínico da Santa Casa. O hospital desconhecia a figura do ginecologista-obstetra. Os partos eram feitos então pela Irmã Beata, porém, um belo dia, a coisa complicou: a parturiente, esposa de um proeminente fazendeiro corria risco de vida. Consultado sobre como proceder, o cirurgião Fábio Ribeiro recomendou Aroldo, médico moderno há pouco chegado da Bahia, com conhecimentos atualizados, como único capaz de levar a bom termo aquele parto. Permitido seu acesso ao hospital pelo bispo diocesano, pois a Santa Casa pertence à Mitra, dr. Aroldo assumiu o caso, gestante e nascituro foram por ele salvos e, a partir daí, pelo mérito, ele conquistou seu lugar naquele nosocômio, cujo corpo clínico viria a chefiar por vários anos, além de exercer as funções de provedor.
Em 1950 aluga casa à rua São Francisco, esquina com D. Pedro II, defronte ao bar Cambuy, hoje hotel Monte Rey. Neste ano nasce seu terceiro filho, Haroldo. Para lhe fazer companhia, dezoito meses depois vem à luz Roberto. O plano original de dois descendentes fora ultrapassado... E, como se quatro filhos não bastassem, oito anos depois viria o quinto e último, Henrique, raspa do tacho paparicado por toda a família.
Aroldo Tourinho foi médico zeloso, extremamente profissional e ético no exercício da profissão -verdadeiro discípulo de Hipócrates. Somente realizava operações cesarianas quando clinicamente indicadas. Era contrário ao aborto, a não ser em casos previstos pela legislação. Fazia, no entanto, a chamada ligadura de trompas (laqueadura tubária) -meio escondido das irmãs da Santa Casa - a pedido ou à revelia de clientes pobres. Na intimidade, dizia a respeito: "A pobre coitada vive na miséria, já teve sete filhos, a cada ano morre um, qual o sentido de uma nova gravidez?" Não sabemos sua opinião sobre a eutanásia, assunto pouco discutido em sua época, mas, por analogia, supomos que, tal como o aborto, fosse favorável à medida desde que amparada em lei.
Corpo Clínico da Santa Casa de Montes Claros em 1950. Da esquerda para a direita: Aroldo Tourinho, Jason Teixeira, Luiz Pires, Geraldo Machado, Mário Ribeiro, Konstantin Christoff, Alcides Loyola e Áflio Mendes de Aguiar.
VIDA PRIVADA
Aroldo não bebia. Com alguns intervalos fumou durante toda a sua vida desde a juventude: Yolanda, Hollywood sem filtro, com filtro, Carlton e Free, sucessivamente. Não foi desportista, embora nadasse bem e apreciasse o remo. Futebol, somente em Copas do Mundo. Talvez influenciado pelo tio Mário, que mantinha ao lado da própria uma outra casa destinada a receber amigos para o carteado, Aroldo desenvolveu crescente atração pelo jogo. Acorria quando possível ao Clube Montes Claros para se entreter com os companheiros de pôquer: Jason Teixeira, Moreira César, Sinval Nogueira, os Mineiros de Souza, Maurício e Mário, Major (Alcebino Santos), Edgar Pereira e outros. Quando da inauguração do Automóvel Clube de Montes Claros ele já se livrara da compulsão pelas cartas, passando então a se divertir, esporadicamente, em casa de seus amigos Major, Maurício-Milene e João Galo.
Aroldo Tourinho lera bastante na juventude e primeira fase da vida adulta, principalmente clássicos franceses e russos. Depois, devido à falta de tempo concentrou sua atenção em jornais, revistas, informativos e artigos médicos. Acompanhava lançamentos de alguns dos autores nacionais, notadamente Jorge Amado, e foi leitor compulsivo de livrinhos de bolso, gênero cowboy, vício disseminado entre ele e seus irmãos pelo caçula Pitango (Fernando). Adorava cinema, desde os velhos tempos de Tom Mix no Cine e Teatro Polytheama, em Salvador - um pulgueiro, dizia ele sobre a sala. Filmes de guerra e espionagem (007) também eram o seu fraco. Quando coincidia estar em casa assistia aos noticiários de TV. Odiava os filmes, dublados. "Esta não é a voz de Gary Cooper!" Assistiu a somente uma novela, O bem amado. "Esse Paulo Gracindo é porreta!" Das antigas chanchadas da Atlântida admirava Oscarito e Grande Otelo. E as vedetes, obviamente. Quanto à música, ouvia principalmente ópera - sua favorita era Aída, de Verdi. Mas vivia cantarolando Coração americano, de Milton Nascimento, e algumas canções de Chico Buarque. Também curtia Yesterday e outras canções dos Beatles e Beto Guedes, sua cria (passava as férias escolares de julho em sua casa), a quem chamava de Salário Mínimo, devido a frágil estrutura corporal para a idade. Lourdes ia de clássicos (Bach, principalmente), fados, e durante o Carnaval seu rádio de cabeceira ficava sintonizado em marchinhas. De acordo com a idade os filhos foram introduzindo novos gêneros musicais em casa: jazz, soul, blues, mpb, até a invasão do rock. Aroldo e Lourdes a tudo suportavam... Era ele homem de fino humor, vivia a recontar refinadas piadinhas memorizadas em velórios - outro de seus fracos. E irônico, quando vez por outra cantava o sambinha: "Na minha casa todo mundo é bamba, todo mundo bebe, todo mundo samba..."
Era também um liberal, no mais amplo sentido do termo. Com raríssimas exceções aos filhos era permitida a leitura do que bem entendessem. E dinheiro para livros não faltava. Com os filhos conversava sobre tudo: sexo (explicava as doenças venéreas); drogas ("Você já mexeu com droga?" - "Tomei pervitin, pai." - "Pra quê?" - "Pra aguentar o Carnaval..."; política ("Sigam a ideologia que quiserem, só não quero nazi-fascistas em casa."). Aos quinze anos os filhos homens recebiam dele a chave de casa. Podiam então chegar a qualquer hora nos fins de semana, bem como fumar e beber se lhes aprouvesse, desde que moderadamente, "nada de excessos". Era-lhes também permitido dirigir o seu carro, pois naquela época não habilitados andavam à solta ao volante.
Aroldo tinha pelos irmãos e pela mãe, Luíza, carinhosamente chamada pelos netos de Lulu, verdadeira adoração. Após a introdução da rota aérea Montes Claros-Salvador pela Panair do Brasil* nos antigos, porém, seguríssimos DC-3, todos os anos ele e a família os visitavam. Depois, com a Rio-Bahia, essas viagens passaram a ser feitas em automóvel. Quinzenalmente se correspondiam, ele e a mãe, e as missivas dela, em caligrafia impecável a bico de pena, sempre terminavam em trovinhas como esta:
Tenho seis filhos queridos
Que me enchem o coração
Todos são meus amigos
Minhas flores em botão...
Aroldo e Lourdes gostavam de tomar pré-adolescentes para criar. Eram tratados como filhos. A primeira foi Esther, ainda nos anos de 1950, que viria a se casar com um dono de caminhão, hoje supermercadista em Vitória da Conquista, BA.
Sucedeu-a Maria Aparecida Silva, menina do distrito dos Veados, hoje Nova Esperança, cujo sonho era estudar em Montes Claros. Também casada, com o funcionário público municipal Valdir José Ferreira da Silva , com quem teve seis filhos, sendo que um deles, Alexandre, oficial da Polícia Militar, é detentor de três diplomas pela Universidade Estadual de Montes Claros-Unimontes, onde se formou em matemática, biologia e filosofia. Em seguida Lourdinha, filha da lavadeira da família, Edite Rodrigues (a quem Aroldo deu lote de terreno e construiu barracão no bairro Maracanã), casada e residente no Rio de Janeiro. A quarta cria, Cândido Rodrigues, irmão de Lourdinha, estava bem encaminhado, trabalhando no departamento de contabilidade da indústria de ótica e mecânica - Siom, preparando-se para o vestibular de Administração, quando teve a vida interrompida aos 19 anos pelo diabetes. Deixou pensão para a mãe e um pequeno apartamento que havia financiado no Rio quando de uma de suas visitas à irmã.
Em abril/maio de 1957 a família de dr. Aroldo mudou-se finalmente para uma residência própria, construída em lote de terreno adquirido de seu amigo e vizinho Oswaldo Souto, que construíra havia pouco a sua. A inauguração da casa aconteceu por ocasião do centenário de Montes Claros, 03.07.1957, quando vários dos seus familiares vieram à cidade, provenientes de Belo Horizonte, para onde seus tios Mário e Anésia haviam se mudado com os filhos em 1955. Sua comadre Olívia (madrinha de seu filho Haroldo) e irmã da tia Anésia, casada com o dr. Waldir Bessone de Oliveira Andrade, também esteve presente com o marido e filhos. No dia do centenário da cidade, Aroldo recebeu uma boa notícia: havia ganho o prêmio anual da Companhia de Seguros Aliança da Bahia, uma bolada à época. Em se tratando de dinheiro, face a uma perda maior resignava-se, mas enervava-se com a falta de centavos num troco. Lourdes definia bem tal comportamento: "Aroldo é capaz de engolir uma baleia, mas se engasga com uma pititinga..."
Em 1962 Aroldo adquire o seu primeiro automóvel. O fato merece registro pelo inusitado da operação. Numa manhã de um sábado qualquer de março surge, estacionado em frente a sua casa, um belo Simca Chambord, vermelho e branco. De quem seria aquele carro? perguntavam-se os filhos. Ninguém sabia. No domingo, lá estava o carro ao sol escaldante. Na segunda, por volta do almoço, um rapaz entrega-lhe as chaves do veículo, dizendo: Dona Fernanda mandou entregá-las ao senhor. "Dona Fernanda ficou louca? Eu não comprei nenhum carro!" Ligou para a dona da concessionária, Fernanda Ramos, sua cliente, comadre e amiga, e esta lhe disse: "Aroldo, está na hora de você ter um carro!" Ao que ele retrucou: "Mas nem dirigir eu sei!" Debalde, a vendedora era imbatível: "Amanhã mando-lhe um instrutor..." E foi assim que Milton Monção entrou para a história da família. De instrutor de direção passou a amigo e compadre, seguramente um dos grandes amigos de Aroldo Tourinho - e de seus filhos.
*A Panair do Brasil teve como seu primeiro representante em Montes Claros o Sr. Nathércio França, tido por Lourdes o homem mais elegante da cidade. Também foi representante das afamadas Lojas Renner e um dos fundadores do Aero-Clube de Montes Claros.
* REQUERIMENTOS: ver no Índice deste blog, coluna à direita.
** FUMAI, idem.
*** Ver também HOSPITAL AROLDO TOURINHO
OBS: A biografia acima foi também publicada no blog do jornal Hoje em Dia, gerenciado pelo jornalista ADRIANO SOUTO >
POLÍTICA
Aroldo Tourinho retornava em automóvel de estação de águas em Poços de Caldas, MG, com Lourdes e seu caçula Henrique, quando o motorista Jayro Vianey de Mattos, Gabi, chamou-lhe a atenção: "Doutor, o que é aquilo?" Eram tanques e tropas do Gal. Olímpio Mourão Filho em marcha rumo ao Rio de Janeiro. O tresloucado general antecipara-se aos planos dos líderes da conspiração e dava início, por conta e risco, ao golpe militar de 1964. Era a manhã de 31 de março.
Quando Aroldo chegou em Montes Claros o golpe já se consumara. Reuniu-se então o Partido Republicano, PR, ao qual era filiado, no consultório vizinho à sua casa e pertencente ao médico e líder político João Valle Maurício. Esta casa/consultório fora de propriedade de dr. João Alves, médico extremamente caridoso, casado com dona Tiburtina, e ficaria na história do município como palco do tiroteio de 06 de fevereiro 1930, onde se envolveram a comitiva do então vice-presidente da República, Mello Vianna, e partidários do dr. João Alves.
O PR local aderiu ao golpe de 1964, nominado revolução pelos vitoriosos, com exceção de dois de seus membros, Aroldo Tourinho e Mário Ribeiro. Este, por ser irmão de Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil do presidente deposto João Goulart, logo viria a ser preso em seu lar e sofrer outras iniquidades, como a cassação de seus direitos políticos por dez anos. Em razão do golpe Aroldo, praticamente neófito em articulações políticas, passa a se opor à ditadura militar que se instalava no país. Mas não sabia aonde ir, o que fazer.
Genival Tourinho, seu primo, filho de seu tio Mário, chega a Montes Claros. Advogado, liderança experimentada na política da capital - estudantil e partidária - traz na pasta, além de um Smith & Wesson .32 para qualquer eventualidade, estatuto e fichas para filiação ao novo partido político de oposição permitido pelos donos do poder, o MDB-Movimento Democrático Brasileiro. Nasce assim, em Montes Claros, na residência de Aroldo Tourinho, o movimento de reação à ditadura militar no norte de Minas. Os primeiros filiados eram na sua maioria jovens, sendo que alguns deles tiveram as potencialidades político-eleitorais despertadas por Genival Tourinho, mentor intelectual do grupo. Urgia ir à luta. E todos foram, ninguém se escondeu.
Em 1966 Aroldo, disputando pelo MDB, foi eleito vereador à Câmara Municipal de Montes Claros. Foi o terceiro mais votado da cidade e o segundo do seu partido. Exerceu efetivamente a vereança através de Requerimentos* e Projetos de Lei, dentre os quais o da criação das Lavanderias Comunitárias, levado a cabo alguns anos depois pelo Sr. Luís Tadeu Leite, eleito prefeito pelo MDB em 1982. A menina dos seus olhos, no entanto, foi a Fundação Municipal de Amparo à Infância - FUMAI**, por ele criada, através de Lei Municipal, em 1967. Em 1970, Aroldo Tourinho foi candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo jovem e aguerrido arquiteto João Carlos Sobreira e em 1976 disputa a prefeitura, quando da vigência das sub-legendas, juntamente com os Srs. Pedro Narciso e José da Conceição Santos. Não obteve vitória nos dois últimos pleitos. Era uma luta inglória enfrentar nas urnas o partido da ditadura.
Contratado como professor pela então FUNM - Fundação Universidade Norte de Minas (atualmente Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes) em março de 1973, Aroldo Tourinho ocupa as cadeiras de ginecologia e obstetrícia da faculdade de medicina daquela instituição. Retorna aos livros e ao francês meio esquecido para preparar as suas aulas. Desliga-se da faculdade em janeiro de 1975, havendo cumprido a missão de dar suporte às suas primeiras turmas de formandos.
Em 1º de fevereiro de 1982 Aroldo Tourinho submete-se à cirurgia para retirada da vesícula que o vinha incomodando havia alguns anos. Complicações no pós-operatório levaram o corpo clínico da Santa Casa de Montes Claros a encaminhá-lo a Belo Horizonte, onde internaram-no no CTI do hospital São Lucas, vindo ele aí falecer em 24 do mesmo mês.
Esta foi, em linhas gerais, a trajetória terrena de Aroldo da Costa Tourinho (20.02.1912 - 24.02.1982), filho, marido e pai exemplar, médico, político e professor no qual se via, na atuação, a responsabilidade social.
Contratado como professor pela então FUNM - Fundação Universidade Norte de Minas (atualmente Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes) em março de 1973, Aroldo Tourinho ocupa as cadeiras de ginecologia e obstetrícia da faculdade de medicina daquela instituição. Retorna aos livros e ao francês meio esquecido para preparar as suas aulas. Desliga-se da faculdade em janeiro de 1975, havendo cumprido a missão de dar suporte às suas primeiras turmas de formandos.
Em 1º de fevereiro de 1982 Aroldo Tourinho submete-se à cirurgia para retirada da vesícula que o vinha incomodando havia alguns anos. Complicações no pós-operatório levaram o corpo clínico da Santa Casa de Montes Claros a encaminhá-lo a Belo Horizonte, onde internaram-no no CTI do hospital São Lucas, vindo ele aí falecer em 24 do mesmo mês.
Esta foi, em linhas gerais, a trajetória terrena de Aroldo da Costa Tourinho (20.02.1912 - 24.02.1982), filho, marido e pai exemplar, médico, político e professor no qual se via, na atuação, a responsabilidade social.
NOTA: O casal Aroldo-Lourdes da Costa Tourinho (24.10.1915 - 12.09.1991) teve cinco filhos: Raymundo (casado com Terezinha Mendes Tourinho, filhos: Ivana, Cláudio, Érika e Flávia); Layce (casada com José Corrêa Machado, filhos: Andréa, Igor, Rogério, Adriana e Juliana); Haroldo (casado com Irene Maria Silva Tourinho, divorciados, filha: Marina); Roberto (solteiro, sem filhos, falecido em outubro de 1988) e Henrique (casado com Danusa Silva Porto, sem filhos).
* REQUERIMENTOS: ver no Índice deste blog, coluna à direita.
** FUMAI, idem.
*** Ver também HOSPITAL AROLDO TOURINHO
OBS: A biografia acima foi também publicada no blog do jornal Hoje em Dia, gerenciado pelo jornalista ADRIANO SOUTO >
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