sábado, 25 de fevereiro de 2012

DOUTOR AROLDO TOURINHO - Carmem Dias

Carmem Dias Netto Victória

Tenho uma relação de amor incontestável e inabalável com Montes Claros. Podem achar bairrismo, mas em Montes Claros está minha história. Lá estão minhas referências, pessoas que conheci, amei e respeitei. Gosto de fazer viagens sem mapas pelas regiões da memória afetiva. Gosto das memórias bonitas impressas em cores. Ás vezes me pego com saudade delas, então as resgato.
   Hoje, retirei do meu baú de lembranças o grande médico e exemplar cidadão, Dr. Aroldo Tourinho. Vivemos num país de exígua memória, sendo necessário que as novas gerações conheçam as pessoas que construíram a história da cidade onde vivem, pois é fundamental fazer um elo entre o que passou e o que há de vir.
   Dr. Aroldo Tourinho nasceu em 20 de fevereiro de 1912, em Salvador. Descendente de tradicional família baiana, era filho do Dr. Fernando da Costa Tourinho e D. Luiza Tourinho, ele sobrinho do Dr. Mário Tourinho, que também honrou com o seu trabalho a medicina em Montes Claros.
   Estudou medicina na respeitada e tradicional Universidade Federal da Bahia, onde foi aluno brilhante, formando no ano de 1937. Após a formatura, trabalhou nas cidades de Itambé e Encruzilhada, onde seu pai foi Juiz de Direito. Em 1944, veio para o norte de Minas onde trabalhou nos distritos de Patis e Bela Vista, hoje Mirabela.
   Dotado de excelente formação acadêmica e profissional, além de especialista em ginecologia e obstetrícia, era um grande clínico geral, um verdadeiro médico de família. A que mais se destacava entre tantas qualidades era sua humildade. Homem de personalidade e caráter irrepreensíveis, absolutamente sincero, leal, generoso, modesto, digno, e convicto do que fazia e pensava.
   Clinicou em Patis e Bela Vista, localidades onde conviveu de igual para igual com pessoas simples. Tinha o dom de entender a vida, pois a viveu com os olhos da alma. Nessa época, os distritos de Montes Claros eram totalmente desprovidos de recursos. Não havia as mínimas condições para o exercício da medicina; mesmo assim ele a exerceu com a maior eficiência, porque o fez com humanidade e competência.
   Em 1944 sua família chegou em Montes Claros e alugou a casa de meus pais na Rua Presidente Vargas, esquina com a Rua Afonso Pena. Nossas famílias se conheceram, tornaram-se grandes amigas do coração, amizade fortalecida ao longo da nossa convivência. Desta época tenho muitas lembranças pois minha infância foi junto com a de Layce e Raimundo, seus filhos.
   Desta minha convivência lembro de fatos que até hoje me fazem sorrir, ante a simplicidade daqueles tempos. A história de Dr. Aroldo se confunde com a história da própria Ginecologia e Obstetrícia em Montes Claros, quando os médicos que se dedicavam a essas especialidades se denominavam “médicos de senhoras” . Assim era a placa na janela do seu consultório.
   Eu gostava de ver na sua sala de espera as discretas e pudicas clientes, vestindo severas batas para disfarçar a gravidez, tal a repressão daqueles tempos. Aí, acontecia um fato engraçado: seus clientes do sexo masculino não aceitavam Dr. Aroldo só tratar de mulheres. Chegavam de Patis, Bela Vista, e enquanto Dr. Aroldo não os atendesse não saíam de lá. E ele o fazia, sempre seguro em seus diagnósticos. Tratava os poderosos da mesma forma que os humildes. Não fazia distinção entre ricos e pobres - esses quase nunca o pagavam, ou quando o faziam era em forma de galinhas, leitões, ovos ou frutas.
   Dr. Aroldo trabalhou durante toda a sua vida na Santa Casa de Misericórdia, onde introduziu a operação cesariana, utilizando-a somente quando bem indicada e necessária. Muitas vezes fui com Layce chamá-lo no Cine São Luiz ou Montes Claros, para fazer um parto ou atender a uma emergência. Ele saía sem reclamar, no que era acompanhado por D. Lourdes, sua companheira de todas as horas.
   São muitas as lembranças e saudades que Dr. Aroldo deixou. Médico de várias gerações, trouxe ao mundo milhares de montes-clarenses, entre eles minha filha Ivana, hoje também médica, a quem conto passagens exemplares da vida do Dr. Aroldo.
   Ele faleceu no dia 24 de fevereiro de 1982 em Belo Horizonte. É um exemplo a ser seguido, por médicos ou qualquer um de nós – seja como profissional, como ser humano. Como pai legou a seus filhos um exemplo de vida centrado em honestidade, coerência aos princípios, sinceridade nas amizades, devoção ao trabalho. Como político, um homem todo e por inteiro. Daqui a muitos e muitos anos, além do Hospital Aroldo Tourinho, da rua e do anel rodoviário que receberam o seu nome, sempre haverá alguém que vai dizer: minha mãe, minha avó falavam de um grande médico, um grande homem que tanto trabalhou por Montes Claros no século passado.
   Agradeço a Deus a dádiva de ter privado do seu convívio. Relembro com carinho e admiração a figura inesquecível de Dr. Aroldo Tourinho, legenda e exemplo de esposo, pai, médico e cidadão. Obrigado, Montes Claros, por reverenciá-lo no seu centenário de nascimento. Parafraseando o filósofo: “quem reconhece os beneméritos de sua terra exalta a humanidade”.

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