Busco em minhas reminiscências infantís conteúdo para escrever sobre meu Tio Aroldo, um dos cinco irmãos de meu pai, Luizernando - Cometa -, segundo filho de D. Lulu e Dr. Fernando da Costa Tourinho, juiz de direito do interior da Bahia. Não conheci meu avô, e conheci meu Tio Aroldo porque ele anualmente vinha a Salvador para visitar sua velha mãe e reencontrar seus irmãos.
Não havia época mais divertida na minha infância do que as férias de verão! Uma festa ver a família ampliada com a presença de meus tios e primos chegados de Minas e de São Paulo, motivo de muita agitação em nossa casa. Tio Aroldo era um sujeito calado, com um sorriso de canto de boca. Não precisava falar muito, isso ficava por conta de minha Tia Lourdes, sua prima carnal, que falava sem parar com os olhos fechados e que era deliciosamente moderna e engraçada.
Eu era fascinada pela consaguineidade daquela relação amorosa! Como assim, ser primo e prima de seus próprios filhos? E ria com a "autoridade" redobrada de Tia Lourdes com seus sobrinhos... Não era uma tia de "consideração", tia que casou com tio. Era tia-prima e por isso podia dizer o que quisesse a cada um de nós. E o velho Aroldo mexia os ombros num cacoete inconfundível e ria lábios fechados e cara safada.
Não conheci o doutor Aroldo. Convivi verão a verão com um médico em férias, curtidor de praia, água de côco, picolé de frutas e livrinho de cowboy! Ah, meu pai, meus tios e os livrinhos de cowboy... esse é o recorte desta inocente crônica!
Cheguei à adolescência me divertindo em ver aqueles irmãos reunidos, na praia ou em qualquer outro lugar à sombra, relaxadamente deitados a devorar pequenos livrinhos, cujas capas, sempre ilustradas com uma linda moça de longos cabelos, vestidos espartilhados, decotes avantajados, encostadas em galãs hollywoodianos com um rifle nas mãos, traziam títulos bizarros como "Forasteiros em Fúria", "Cowboys do Inferno", "Sem medo de matar", Rota de Valentes", "Vingança no Oeste". Era no mínimo intrigante ver aqueles pais de família tão responsáveis, trabalhadores incansáveis, completamente absortos com aquela leitura chula, comprada às dúzias em bancas de jornais. Liam aos montes e trocavam as pilhas entre si. Embora as capas se assemelhassem, sabiam à mais rápida passada de vistas se já tinham lido o exemplar. As vezes paravam a leitura para um refrescante banho de mar, marcavam a página e perguntavam um ao outro: "No seu já morreram quantos?"
Foi assim que um dia, voltando de uma caminhada na praia com os primos, encontramos meu pai e meus tios Aroldo, Herdival e Pitango (Fernando) deitados com seus livrinhos, tendo ao lado de cada um fileira de palitinhos de picolé, que iam enfiando na areia a cada morte lida. Uma competição para ver qual a melhor história! Uns "porretas!", dizíamos, parodiando a eles mesmos, que assim definiam os que não estavam nem aí pra nada e viviam filosoficamente sem estresses.
Mas a concentração de Tio Aroldo, apelidado por seu filho Henriquinho de Ted Billson, era inigualável! Que testemunhem os nativos da Ilha de Itaparica, onde fomos passear em uma bucólica tarde de janeiro, andando por centenárias ruazinhas calçadas com paralelepípedos, bordeadas por inúmeras casinhas de veraneio, porta-janela de frente e longos e estreitos quintais com mangueiras carregadas, que davam para a tranquila beira-mar da baía de Todos os Santos. De repente a falta anunciada: "Cadê Aroldo?" pergunta Tia Lourdes numa pausa de divertida prosa em movimento. E entre "vixes" e "uais" repartimo-nos em grupos para a aventura de procurá-lo pela histórica cidadezinha. "O homem com o livrinho?" perguntavam-nos os nativos e veranistas que encontrávamos sentados às portas em baianíssima resenha da tarde, "foi por ali", indicavam com a cabeça. Seguindo as pistas chegamos quase juntos ao coreto da praça principal, onde, sentado no banquinho à sombra de uma frondosa árvore, alheio a tudo e a todos, Tio Aroldo finalizava as últimas páginas da sangrenta leitura. Tia Lourdes passou-lhe um sermão, mas para mim o cacoete do ombro e o sorrisinho de canto de boca veio acompanhado por uma piscadela safada!
O carnaval de 1982 foi de apreensão por sua saúde. Como assim, meu tio no hospital? Com aquela saúde de ferro? Não, não haveria de ser nada grave! Brinquemos o carnaval, daria tudo certo! Qual! As cinzas nos surpreenderam ainda mais tristes com a partida do admirável Tio Aroldo. Um porreta que não gostava de atrapalhar a diversão de ninguém!
Saudade eterna!