Sou amigo da Família Tourinho desde menino. Quando Dr. Mário Tourinho chegou em Montes Claros, na década de 1940, com esposa e filhos, ficou hospedado no Hotel São Luiz até encontrar uma casa boa, confortável e bem localizada para morar e montar seu consultório médico. Seus filhos Genival, da mesma idade de meu irmão Newton, e Mário Filho, identicamente da mesma idade minha, se tornaram, naturalmente, nossos amigos. Essa aproximação deu início a uma amizade sincera a ponto de nos considerarmos irmãos. Fatos posteriores mostram como foi consolidada essa irmandade. Alguns anos mais tarde chega à nossa cidade Dr. Aroldo com D. Lourdes e filhos, ampliando o clã dos Tourinho no sertão mineiro.
Quando fui estudar em Belo Horizonte, em 1954, fiquei hospedado na pensão de Tia Quininha (muitos em Montes Claros a chamavam de D. Vêla). Como companheiros de quarto, convivi por vários anos com Genival e Raymundo Tourinho. Este ainda adolescente e ainda imberbe. Genival já era universitário e irrequieto estudante de Direito, bem falante, com toda a eloquente verve conhecida até os tempos atuais. Ele era estudioso, culto e muito entusiasmado com a política. Tinha o hábito de ficar estudando até altas horas da noite, fato que nos obrigou a aprender a dormir com a luz acesa.
Formado em 1964, estabeleci-me com a CONAL, em 2 salas no segundo andar da casa de minha mãe, tendo como vizinho na contra-esquina a CONTRUMOC. Era uma grande loja de materiais de construção, pertencente a Pedro Narciso, Raymundo Tourinho e José Corrêa Machado. Costumávamos reunir na loja, não todos os dias, mas sempre à tardinha, para um bate-papo: além de Pedro e Raymundo, nós da CONAL (Mércio, Eldan e eu), Machadinho, às vezes Dr. Aroldo e Genival – quando estava na cidade.
No final de 1965, numa dessas reuniões, Genival lançou a idéia de fundar em Montes Claros o MDB, mobilizando apenas iniciantes em política, já que os políticos antigos, tarimbados e calejados, haviam preferido ficar “sob as asas quentes do governo”, filiando-se à ARENA, que se tornara partido oficial dos milicos. Dentre os dez primeiros que criaram o MDB-MOC, encontrava-se Dr. Aroldo Tourinho. A partir da fundação confirmada, as reuniões de bate-papo passaram a ser recheadas com os novos companheiros do MDB. Afonso Prates, Zé da Conceição, Zé Maria “Peito de Aço”, por exemplo, passaram a ser presenças constantes e agora a política era também assunto do bate-papo. Logo nas primeiras reuniões regulares do MDB, resolvemos lançar candidatos apenas ao cargo de vereador, já que o candidato a prefeito do outro partido era Toninho Rebello, homem inteligente, trabalhador, de reputação ilibada, que deveria ter o apoio de toda cidade, na qualidade de candidato único, o que realmente aconteceu.
O MDB teve um desempenho brilhante nessa eleição: apesar de ter direito a 25, conseguiu registrar apenas 8 candidatos. Mas o partido elegeu 4 vereadores, ou seja, 50% dos pretendentes! Performance digna de constar no Guiness, o livro dos recordes. Tudo isso graças, principalmente, ao desempenho de Dr. Aroldo, com um surpreendente número de votos, o terceiro maior até então obtido por um vereador desde a primeira eleição na cidade, para edis. Esse motivo elevou, em muito, o quociente eleitoral do MDB, possibilitando a entrada de mais eleitos do que os esperados pelos dirigentes do partido oposto. Conforme esperávamos, Dr. Aroldo brilhou intensamente no desempenho da vereança.
Na eleição seguinte, em 1970, o partido resolveu que teríamos a chapa completa, procurando conseguir um nome para prefeito e preencher todas as vagas de candidatos a vereador. Teríamos que trabalhar exaustivamente no sentido de arregimentar novos membros para o objetivo pretendido sem, entretanto, perder a qualidade e o compromisso ético dos primeiros “desbravadores” inscritos, até o prazo antes da convenção para a escolha dos candidatos. A data foi definida para o dia 19 de setembro.
` Não pude comparecer à convenção porque estava dando assistência à Baby na Santa Casa, pela chegada de Isabela, nossa primeira filha. Ao entardecer recebemos a visita dos amigos Genival, Pedro Narciso, Afonso Prates, Dr. Aroldo e Raymundo Tourinho, trazendo um bouquet de rosas para, segundo as palavras de Genival, as mulheres da família, em nome do MDB. Vieram também informar o resultado da convenção: fui escolhido como candidato a prefeito, tendo como vice Dr. Aroldo.
A campanha foi tensa e difícil e ao mesmo tempo divertida. Explico: primeiro, porque o governo militar e a ARENA, sua aliada, estavam sempre dispostos a nos perseguir, fazendo nossos comícios terem mais investigadores e policiais do que platéia. A maioria dos nossos simpatizantes ficava amedrontada com o aparato armado de máquinas fotográficas, gravadores e armas de fogo acintosamente à mostra. Divertida porque nas constantes reuniões que promovíamos antes dos comícios, Dr. Aroldo sempre quebrava o gelo do ambiente (de certa forma, o pessoal um pouco amedrontado com as veladas ameaças), com tiradas bem humoradas e gozações aos companheiros, que sempre nos faziam rir. Ele mostrava seu lado humano que poucos conheciam.
Na época do nascimento de Rafael, Dra. Maria de Jesus, que acompanhara o pré-natal estava viajando. Era domingo e eu levei Baby à Santa Casa para Irmã Malvina verificar um incômodo que ela estava sentindo. Depois do exame a freira veio apressada me comunicar: - “O senhorr pode buscarr o maleta, eu vou telefonarr parra doctorr Arroldo, o criança estar nascendo.” Quando cheguei com a maleta e minha sogra, subimos a rampa logo atrás de Dr. Aroldo. O painel luminoso já anunciava: MENINO.
Antes de voltar para casa, Dr. Aroldo passou pelo apartamento onde Baby estava e foi logo dizendo: “ Cheguei só para fazer os finalmentes do parto. Ô Joãozinho, tenha cuidado com o próximo parto de sua mulher. A criança pode nascer na rua. Ela é muito boa parideira!”
Dr. Aroldo sempre foi “boa praça”, amigo e companheiro, sempre alegre e muito cortês, por isso mesmo é meu personagem inesquecível.
jcarlossobreira@gmail.com
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